Excelência no Desporto

16-04-2013 11:20

Apesar da noção de excelência ser relevante para o desporto, há uma falta de consenso no significado da excelência no desporto e continua a ser um desafio académico e intelectual a sua definição. Kowal e Ross (1999, p.19) referem que “o que é considerado excelente para um pode ser medíocre para outro”. Segundo Bereiter e Scardamalia (1993)” a expertise precisa de definição e para impor uma definição, no começo seria um frívolo exercicio, quase garantido para asfixiar o pensamento produtivo”. Apesar de não existir um consenso geral sobre a definição operacional de excelência profissional em Educação Física e Desporto, nos campos de atuação que lhe estão associados, nomeadamente, o ensino, o treino desportivo, a investigação/formação, a administração (direção e gestão) e o lazer/animação, pode ser aceitável defini-la como um conjunto de conhecimentos, capacidades e atitudes que possibilitem aos profissionais uma atuação de nível superior ou excecional.

Esta caracterização implica que o profissional necessita de possuir conhecimentos profundos nas dimensões cultural e social da sociedade envolvente, bem como um grande nível de conhecimentos específicos dos conteúdos necessários para o seu desempenho profissional, e ainda, um envolvimento no local de trabalho que constantemente fortaleça um ambiente saudável para viver, aprender e trabalhar e a disponibilidade de recursos que possibilite a melhoria global dos profissionais. Este ambiente de trabalho saudável em que os profissionais operam, melhora o compromisso dos atletas para com a aprendizagem, desenvolvimento e superação e, por consequência, os seus resultados globais. Concomitantemente com os aspetos atrás referidos, se da parte da direção de um clube, houver uma liderança com carater transformacional, ou seja, sendo capaz de ajudar os profissionais a transformar-se, afetando a natureza das suas crenças, comportamentos e capacidades, de forma a motiva-los a exercer os seus cargos mais produtivamente, então, estarão criadas as condições para a excelência.

Os investigadores da área da excelência têm-se dividido sobre a importância do ambiente e dos fatores genéticos, nas contribuições para a excecionalidade. Os defensores da primeira hipótese suportam a posição de que tudo o que ocorre após a conceção é fruto da experiência e da aprendizagem. Os opositores a esta posição consideram que existe um determinismo genético, isto é, a personalidade da pessoa, as suas forças e fraquezas, o seu potencial é decidido por fatores biológicos. De acordo com Singer e Janelle (1999) a genética tem um papel importante no sucesso desportivo. Contudo, no caso dos treinadores não é clara esta posição. Apesar destas posições diametralmente opostas serem ainda adotadas por alguns investigadores, é mais amplamente credível que a performance humana seja o resultado da interação entre elementos de ambas as áreas. É importante perceber que há uma interação entre a hereditariedade e o meio ambiente para a determinação da personalidade e obtenção da excelência num individuo. As pessoas poderão ter um teto genético elevadíssimo mas nunca atingirem a excelência por falta de estimulação, mas o contrário também poderá ocorrer, um individuo treinar muito para se tornar muito bom no que faz e tentar alcançar a excelência e nunca obtê-la ao seu mais alto nível por não possuir uma predisposição genética para tal facto. De acordo com Kimble (1993) “perguntar que diferenças individuais no comportamento são determinadas pela hereditariedade ou pelo ambiente é como perguntar que área do retângulo é determinada pela altura ou largura”. Contudo, e de acordo com Baker e Horton (2004) “mesmo a mais vantajosa composição genética combinada com o treino mais favorável não é uma garantia de sucesso”, havendo outros fatores como a sorte para alcançar a excelência. Dadas estas limitações, a predição da performance e da excelência estarão sempre limitadas pela incerteza.

A capacidade de comunicação, a capacidade de inovação e de criatividade no desenvolvimento de novas propostas pedagógicas que contribuam para a evolução e desenvolvimento da profissão, a preparação e organização do treino, por exemplo, ou de um plano elaborado de gestão organizacional, o entusiasmo contagiante, a dedicação e o compromisso, são elementos muito importantes para a excelência profissional. Os excelentes profissionais do desporto devem ainda possuir um prazer, uma alegria e uma paixão que os ajudem na perseguição do seu sonho de excelência, respeitando sempre, princípios éticos e morais. A disponibilidade e capacidade para continuadamente aperfeiçoar os seus desempenhos, perseguindo a perfeição, poderão conduzi-los à excelência, partindo do pressuposto que as coisas excelentes são raras mas existem, por isso pensamos, nunca ser demais a sua procura. Na mesma linha de pensamento Guiseppe Verdi (citado por Cardoso e Rodrigues, 2006) questionado porque se ia dar ao trabalho de fazer mais uma ópera com oitenta anos, respondeu que passou “toda a vida a perseguir a perfeição e, enquanto tiver forças, irei fazer mais uma tentativa”.

A sociedade necessita de produzir profissionais excelentes, realizar uma seleção dos elementos mais criativos, com desempenhos excecionais nas mais diversas instituições e entidades públicas e privadas, de forma a estabelecer centros de excelência que venham a constituir-se como fatores de criatividade e de inovação a serem projetados para todos os setores da sociedade. A sobrevivência de uma sociedade assenta na capacidade de promover e conservar, em todos os tempos, indivíduos de exceção.

São muitas razões que nos levam a salientar a importância do estudo dos indivíduos com desempenhos excelentes. As suas realizações, os seus atos podem tocar ou influenciar todo e qualquer aspeto do mundo em que vivemos, até as nossas próprias vidas. Precisamos de estudar os profissionais de excelência que são indivíduos que para além de efetuarem excelentes desempenhos, têm a capacidade de os aperfeiçoar sistematicamente. Há que estudar os mecanismos ou processos cognitivos, psicológicos e emocionais que poderão explicar os seus altos desempenhos.

Numa sociedade onde o sucesso é a “mina de ouro”, a importância de dissecar e compreender os fatores e mecanismos que a ele conduzem, leva a que surjam permanentemente um conjunto de teorias e de atores que procuram capitalizar em seu beneficio a natural ansiedade que todos temos de ser bem-sucedidos, exemplo disso são os constantes livros editados por treinadores de sucesso, por exemplo, os de José Mourinho ou Jonh Wooden como também a nível de dirigentes desportivos, como no caso de Pinto da Costa ou Luís Filipe Vieira. A importância do sucesso no plano do bem-estar e equilíbrio pessoal e do desempenho profissional, acrescido do interesse científico da compreensão do comportamento humano e ao facto de ao longo da história da humanidade terem existido indivíduos cujos excecionais desempenhos contribuíram para o desenvolvimento e evolução da mesma, conduziu a que a “anatomia” do sucesso tenha congregado um vasto conjunto de investigações científicas de alto nível.

Contudo, o sucesso no meu entendimento, fica aquém da excelência. O sucesso é algo que pode ser imediato, é uma vitória que pode ser conseguida atendendo a circunstâncias únicas. De acordo com Martens (1978) “treinadores de sucesso fazem mais, muito mais, do que somente ganhar jogos. Ganhar é imediato, o caminho mais curto de cada confronto, e os dois, atleta e treinador, devem procurar conquistar o preço da vitória. Fazer menos torna-os uns competidores desonestos”. Acredito que um sucesso repetido variadas vezes, em diferentes cenários e com diferentes condicionalismos, realidades e ambientes, possa ser um caso de excelência.

O conceito de excelência incorpora a qualidade do que é muito bom, o estado mais próximo da perfeição que se avantaja e distingue ao que é comum e usual. No caso dos treinadores, amplia o conceito de sucesso e “convive” com os valores que os treinadores transportam e que conseguem transmitir aos seguidores, com os desafios lançados aos atletas para perseguirem o seu desenvolvimento pessoal, com o interesse e preocupação com os indivíduos, com a atribuição de papeis claros e adequados, com o trabalho ativo na resolução de problemas antes deles se tornarem insolúveis, com a punição e recompensa de forma apropriada, com a sua paixão pelo jogo e por ensinar, com um forte sentido ético, com uma auto-consciência das sua forças e fraquezas, com a capacidade de liderar que melhor “veste” com a sua personalidade e com a situação envolvente, com a auto-confiança e maneira confortável que assumem no seu papel, com a criação de ambientes de treino propícios à superação e semelhante às exigências do esforço físico e mental da competição atual, com a preparação de treinos que se assemelhem aos aspetos defensivos e ofensivos que poderão ocorrer contra um oponente especifico, com a leitura talentosa do jogo e com soluções adequadas a cada momento. O treinador excelente é aquele que deseja, que tem a determinação, a atitude, a auto-motivação e o coração que os faz ter como prioridade máxima a sua carreira, desejosos sempre de melhorar e de aperfeiçoar os atletas com quem trabalham, investindo o seu máximo esforço e a concentração total para serem bem-sucedidos. De acordo com Morris (1997) a excelência é “um estado atual de superior desempenho que se eleva para lá do estado original de potencialidade”. 

 

Para Bloom (1985) existem três estados de desenvolvimento ou níveis de excelência:

  •  Iniciação, centrado no prazer e competência no Skill, começa quando os indivíduos são introduzidos nas atividades, envolve instrução de um treinador/professor local que seja atencioso, sério e respeitado na comunidade envolvente. As recompensas são mais para o esforço do que para a realização e raramente o treinador/professor é crítico com o individuo, as pessoas envolventes desempenham um papel importante, providenciando encorajamento e motivação necessários para manter o interesse, mas não esperam que o resultado da performance domine a atividade do individuo ou da criança. Adicionalmente as crianças deixam-se conduzir pela direção do seu treinador/professor que os ajuda a terem bons desempenhos na sua área.

 

  •  Desenvolvimento,  envolve crença e compromisso, os atletas são orientados para objetivos, eles treinam sob a orientação de um treinador que tem conhecimento técnico superior e providencia, rumo e disciplina, os indivíduos definem objetivos de desempenho e estão comprometidos com eles. Durante este período os atletas começam a receber elogios e recompensas na forma de artigos e imagens nos jornais e reconhecimento por importantes pessoas do seu desporto. A cultura do talento começa agora a tornar-se uma prioridade de topo para o executante. Os treinadores exigem mais trabalho árduo, compromisso e disciplina dos seus atletas que experienciam as suas primeiras competições. O regime de treino dos atletas começa a ser mais intenso e avançado, com os treinadores a introduzirem complexidade no jogo. Os excecionais atletas ambicionam pela oportunidade de trabalharem com outro treinador reconhecido como professor/mestre ou expert no seu domínio. Os indivíduos que têm a sorte de alcançar este estádio, são totalmente devotados à atividade escolhida e fazem o que for preciso para atingirem altos níveis de excelência.

 

 

  • Mestria, implica uma obsessão ou preocupação com a atividade em questão que domina a sua vida, tudo o resto é secundário, há total devoção à sua área, os atletas estão conscientes que eles são mais do que especiais e estão conscientes das suas fraquezas, também estão conscientes do seu próprio conhecimento base, estes indivíduos colocam qualquer tempo e esforço necessário para atingirem o mais alto nível de excelência, os skill estão automatizados e mais tempo é despendido desenvolvendo estratégias para a alta competição, eles têm um profundo e intuitivo entendimento das estruturas profundas ou dinâmicas do desporto que resultam em automatismos. A progressão para o terceiro estádio envolve um número de sacrifícios para o executante e a família tal como grandes despesas e muitas vezes mover-se para outra cidade. Para muitos atletas os anos mais tardios também envolvem recolocação num colégio especial onde o seu treinador passa a ter uma importante influência. A relação entre atleta e treinador excelente envolve mútuo respeito e cordialidade, com ambas as partes centradas menos nos métodos de instrução e mais no refinamento tático. 

 

Uma das abordagens mais citadas para estudar a excelência e a performance dos experts foi apresentada por Ericsson (1993) que desenvolveram uma estrutura teórica baseada na premissa que a quantidade e qualidade de prática era o mais forte mediador para a performance excecional e excelência. Ericsson (1993) estendeu a estrutura de investigação de Bloom (1985) incluindo quatro fases de desenvolvimento da excelência. Aqueles autores argumentavam que atingir um nível de excelência envolve mais do que atividades inatas, é o resultado de muito esforço e do número de horas despendido em atividades sustentadas para otimizar a performance, um processo designado por prática deliberada que, segundo Ericsson (1993) “em contraste com o jogo, a prática deliberada é uma atividade altamente estruturada, o objetivo explicito dela é melhorar o desempenho. São criadas tarefas específicas para ultrapassar debilidades e o desempenho é cuidadosamente monitorizado para providenciar dados para melhorar no futuro”.

A prática deliberada pode ser pode ser sumariada como uma atividade refletida e planeada na qual os elementos da repetição são selecionados e misturados com inovação, atividades interessantes e cativantes que permitem que um individuo continuadamente redefina, adapte e melhore a sua performance. Ericsson (1993) refere “ reivindico que a prática deliberada requer esforço e não é inerentemente agradável. Os indivíduos estão motivados para o treino porque o treino melhora o desempenho. “A prática deliberada é diferente de outras formas de repetição ou práticas casuais pela comparativa maior exigência requerida em termos de esforço e concentração, claro que balanceada com períodos de recuperação. Para além disso, como consequência do grande esforço exigido e da falta de prazer daí derivados, os indivíduos que se comprometem com a prática deliberada devem ter altos níveis de motivação”. Os recursos incluindo o tempo, energia, acesso a professores competentes e facilidades de treino, assim como o esforço e motivação, foram identificados como constrangimentos inibindo o processo de prática deliberada. Corroborando a importancia deste tipo de atividade Orlich (1999) refere “ para alguns dos profissionais de Golfe com melhores resultados, quando descobrem que algo da sua prestação necessita de ser melhorado, procuram ultrapassar essa situação, gastando em tempo de treino necessário para aplicarem as conclusões a que chegaram, o que os ajuda a progredir dia após dia.”

Ericsson (1993) testou a teoria da prática deliberada usando o diário e uma entrevista retrospetiva com violinistas e pianistas de vários níveis de desempenho. Os dados obtidos sugerem que os melhores executantes acumulam mais horas de prática deliberada nas suas carreiras que o grupo menos comprometido. Para o mesmo autor, a prática deliberada é a mais avançada e efetiva etapa de aprendizagem dos executantes e atletas e é caracterizada por ter uma tarefa muito bem definida, com um desafiador mas atingível nível de dificuldade. Nesta atividade é decisivo obter o feedback informativo, e ter oportunidades para repetir e corrigir os erros. O feedback é crucial e os executantes experts precisam de ser corrigidos quando os erros acontecem e é importante a presença do treinador ou professor na facilitação do processo de prática deliberada. O desenvolvimento de um aluno pode ser travado se o professor não lhe propuser os exercícios e número de repetições apropriadas para atingirem o alto nível. Os treinadores e professores têm um papel importante na criação de um ambiente apropriado para os atletas se ocuparem durante 10 anos ou 10.000 horas de prática deliberada que é necessário para atingirem altos níveis de excelência.

Num estudo académico realizado em Ureña em 2004 com dançarinos de ballet, também suporta a investigação noutros domínios, indicando que são necessários dez anos de prática deliberada para alcançar níveis de expertise. Segundo os resultados, existe uma relação inquestionável entre o treino e o nível mais elevado da dança. O compromisso com a prática deliberada, longas horas de treino supervisionadas por qualificados instrutores, é necessário para o desenvolvimento da expertise. A autora acredita que as diferenças na capacidade da dança são explicadas pela divergência existente no treino, mais do que outras variáveis, tais como, o talento inato ou predisposições genéticas.

Na sua concetualização de prática deliberada Ericsson (1993) indica que esta estrutura é aplicável em vários domínios. Os estudos de Baker (2003) corroboram os resultados de Ericsson (1993) divulgando que a prática intensa durante um período mínimo de dez anos envolvendo adaptações extremas ao ambiente e aprendizagem.

Expressando opinião contrária e olhando para outros fatores que possam contribuir para o sucesso dos performers, é amplamente seguro considerar que a genética também tem um papel importante nesses desempenhos. Os investigadores Singer e Janelle (1999) estudaram a influência dos genes e da hereditariedade no sucesso atlético. A predisposição genética como características da personalidade, o físico, a composição corporal, as habilidades motoras, a adaptabilidade ao treino, a inteligência, o processamento apropriado de informação e a saúde, são fatores, que segundo os autores, podem contribuir para a probabilidade de se atingir a excelência. Também o estudo apresentado por Baker (2003) evidencia que a especialização precoce, não deve ser uma exigência para o nível elevado de performance expert nos desportos de tomada de decisão, o que vai ao encontro do trabalho de Hill (1993) que descobriu que a diversidade da participação desportiva, enquanto jovens, é norma entre os jogadores profissionais de baseball, dos Estados Unidos.

Por outro lado, os resultados apresentados pelo investigador Starkes (1996) com wrestlers e patinadores, colca algumas interrogações àquela teoria. Pediu aos atletas para colocarem por ordem de importância as dimensões esforço físico, concentração, relevância e prazer. Diferentemente dos músicos, os atletas indicam que o grande esforço e as atividades relevantes são também agradáveis. Adicionalmente, os treinadores e os skaters concordam com o raking dos três domínios mais importantes para o sucesso: treino, aprendizagem com o treinador e o desejo.

Consideramos que no desporto, a prática deliberada, não é suficiente para assegurar o sucesso, há fatores como o carater, a sorte, o envolvimento e as lesões que inevitavelmente afetam o resultado e sucessos dos competidores.

Na roda da excelência, modelo proposto por Orlick (1992) que estudou performers de vários domínios, através de entrevistas, observações e interações com os estudados, desde o desporto, passando pela medicina, artes, negócios, direito, astronautas, que identifica os atributos mentais que ocorrem com esses excecionais “executantes”, sugere que existem sete atributos que são encontrados em todos eles, a saber: compromisso, auto-confiança, concentração total, controlo da distração, avaliação construtiva, imagens positivas e prontidão mental. Esta roda da excelência é criada pela interação e interdependência entre os raios da roda. Cada um dos raios tem um papel determinante na performance global do individuo.

Para o autor, a justificação para que as pessoas não atinjam o seu máximo potencial pode ser encontrada na fraqueza ou perda de uma dessas ligações. Curiosamente, Orlick (2000) remata “Eu habitualmente pensava que o caminho para a excelência é trabalhar, trabalhar, trabalhar, deixar para trás o resto da tua vida e viver somente para o futuro. Estava errado! Tu tens de trabalhar arduamente, mas tu não tens de deixar para trás o resto da tua vida e não deves viver unicamente para o futuro. Tu podes conseguir altos níveis de excelência e continuar a ter uma vida equilibrada e feliz, aqui e agora. Esse é o caminho para a excelência pessoal, o caminho com o coração”.

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