A Psicologia e o cancro

22-09-2009 17:03

Psicologia e cancro

Psico-oncologia é o nome da área de interface entre a Oncologia (a parte da Medicina que estuda o câncer) e a Psicologia, que tem por objetivos: a) identificar o papel de fatores psicológicos e sociais, no aparecimento, desenvolvimento, tratamento e reabilitação do paciente com câncer e; b) sistematizar de um corpo de conhecimentos que possa permitir a assistência integral do paciente com câncer e de sua família, bem como a Formação de profissionais de saúde especializados com o seu tratamento (Gimenes, 1994).

Apesar do estudo da relação entre fatores psicológicos e a causa de doenças físicas possuir mais de 2.000 anos de história, remontando-se a épocas da filosofia e da medicina clássicas, a investigação de fatores psicológicos que possam explicar a maior ou menor vulnerabilidade individual ao câncer, possui pouco mais de um século de história (Holland, 1991). Segundo Gimenes (1994), a psico-oncologia surgiu como área de conhecimento a partir da década de 50, quando a comunidade científica passou a reconhecer que tanto o aparecimento quanto a manutenão e a remissão do câncer, poderiam ser intermediados por fatores cuja natureza extrapolavam condiões biomédicas.

 Psicologia e cancro em crianças

medida que avança o desenvolvimento científico da medicina, observa-se não apenas um crescente reconhecimento da influência de fatores sócio-econômicos e ambientais sobre os processos de adoecer, como também, a identificação de relaões de interdependência entre fatores de natureza psicológica e a causa de diversas doenças somáticas. No caso da psico-oncologia pediátrica, área que estuda a influência de fatores psicossociais sobre o desenvolvimento, manifestação e tratamento do câncer em crianças, psicólogos e outros profissionais de saúde vem sendo chamados a atuar com cada vez mais freqência. (Costa Jr. & Kanitz, 2000). A presença de psicólogos, com experiência no atendimento a pacientes oncológicos, como membros de equipes de oncologia, é considerada, hoje, uma necessidade indispensável.

importante ressaltar que o aumento do número de crianças sobreviventes, ex-pacientes de câncer, têm contribuído para tornar o acompanhamento psicológico do paciente, em todas as etapas da doença, um elemento indispensável da assistência prestada. Particularmente a partir da década de 80, os profissionais de saúde passaram a se preocupar mais detalhadamente com o controle de dor em crianças doentes ou submetidas a procedimentos médicos invasivos, com medidas de qualidade de vida, com efeitos de intervenões multiprofissionais sobre o comportamento da criança doente e com estratégias de suporte psicossocial à criança e seus familiares. Mais recentemente, tem-se observado uma preocupação em estudar as características de personalidade e os estilos de comportamento da criança e da família que poderiam influenciar o nível de estresse dessas pessoas e contribuir para o desencadeamento de um processo de câncer.

Em adultos, já existe uma concordância no meio científico de que pessoas com dificuldades de expressão de sentimentos negativos, como raiva e mágoa, e com tendência a reagir com passividade frente às situaões estressantes ou críticas da vida teriam um risco maior de desenvolver câncer, devido à vulnerabilidade de seu sistema imunológico. Em crianças, ainda não foi possível se chegar a conclusões semelhantes, embora aponta-se a maior probabilidade de que crianças com câncer possuam, também, tendências passividade e sejam provenientes de lares que enfrentam situaões conflituosas de relacionamento entre os membros familiares.

Existem algumas circunstâncias mais comuns em que é indicada necessidade de ajuda psicológica à criança. Independente da condião em que se encontra, a ajuda é indicada nos casos em que as reaões emocionais (ou comportamentais) da criança atuem: a) dificultando a cooperação com o tratamento; b) dificultando a expressão dos sentimentos da criança a respeito de sua condião de estar doente e em tratamento; c) aumentando o medo e a resistência a situaões típicas do tratamento, tais como internaões, o que poderia provocar, na criança, maior percepão de dor ou de sentimentos de degradação corporal; d) perturbando o desempenho em atividades sociais e de lazer típicas na infância e necessárias ao desenvolvimento normal da criança ou; e) desenvolvendo sintomas psiquiátricos convencionais ou sintomas psicológicos indicadores de desadaptação, tais como depressão e angústia (Bearison & Mulhern, 1994).

Embora cada vez mais eficiente, o tratamento do câncer ainda não é eficaz em todos os casos, nem elimina a necessidade da criança estar submetida a situaões estressantes, que envolvem dor e desconforto, incluindo-se, a duração prolongada do tratamento, a invasibilidade de procedimentos médicos, os riscos de recidiva e os efeitos da quimioterapia e da radioterapia. Situaões como estas podem se constituir em condiões de maior ou menor risco ao desenvolvimento da criança, de acordo com o contexto em que a criança está inserida. É importante observar que o desenvolvimento da criança, mesmo quando ela está doente, continua acontecendo, sendo indicado que a rotina de vida da criança sofra um mínimo de modificaões. A criança em tratamento de câncer precisa ser estimulada a comer, brincar, aprender e fazer tudo que uma criança não doente faria. Psicólogos com experiência em atendimento a crianças com câncer podem orientar os pais a como proporcionar estas oportunidades a suas crianças.

Entre as principais reaões de comportamento da criança com câncer, é importante notar: a) a angústia e a ansiedade diante do diagnóstico da doença e dos procedimentos de tratamento até então desconhecidos e que passam a se repetir periodicamente; b) atitudes que indicam estresse, frente à situaões avaliadas como negativas ou que provocam perda de controle da criança sobre o próprio corpo, tais como ter que se submeter a exames invasivos como hemograma e punão lombar; c) diminuião da sociabilidade como conseqência da rotina de ambientes hospitalares, do afastamento do contexto familiar e das restriões alimentares ou de atividades físicas, o que pode gerar inseguranças, medos e conflitos pessoais na criança; d) perda do controle, por parte dos pais e demais familiares, sobre o comportamento geral da criança, como conseqência da alteração das práticas de cuidados dispensados à mesma, gerando um quadro típico de superproteão em que a criança pode aproveitar para obter algumas vantagens (designados como benefícios secundários da doença, tais como presentes e concessões) que, sem a doença, não poderiam ser obtidas.

Apesar de não ser possível eliminar as situaões de tratamento produtoras de estresse, a que estão expostos crianças com câncer e seus familiares, o psicólogo pode modificar ou adaptar o ambiente da criança através do acompanhamento e orientação constantes a pais, familiares e professores; orientação e intervenão na estrutura e organização do próprio ambiente hospitalar e do trabalho direto e constante com a criança em tratamento. É importante destacar que esta não é uma atividade exclusiva de psicólogos, uma vez que outros profissionais de saúde podem ter participação ativa nestas atividades.

As modificaões no ambiente de cuidados, em caráter geral ou individual, devem atender às necessidades das crianças em tratamento. Para isso, importante observar sistematicamente as interaões entre a criança e o ambiente em que são dispensados os cuidados com o tratamento para a definião das circunstâncias em que seriam indicadas necessidade de ajuda psicológica à criança com câncer. A identificação de características individuais que particularizem a criança e a diferenciem das demais podem personalizar a atenão na assistência comportamental oferecida à mesma e melhorar a qualidade geral do atendimento, contribuindo positivamente para o sucesso do tratamento.

 

Um exemplo do manuseamento do ambiente pode ser descrito na situação de procedimentos médicos invasivos em oncologia pediátrica, em que a criança é exposta, repetidamente, a situaões consideradas dolorosas e desagradáveis, como a punão da veia para a quimioterapia, levando a alta probabilidade de que a criança apresente comportamentos típicos de sofrimento, tais como chorar, gritar e protestar. Um bom exemplo de intervenão psicológica sobre esta situação pode ser o planejamento de uma condião, anterior à punão venosa, em que é simulado o mesmo procedimento ao qual a criança será submetida, utilizando-se brinquedos e bonecos e estimulando a criança a exercer o papel de médico ou enfermeira em relação à boneca. Tal situação permite a participação ativa da criança no procedimento, possibilita que ela tire dúvidas e expresse sua ansiedade, bem como facilita a construão de um repertório de comportamentos colaborativos da criança, que acaba se generalizando para a situação real de punão venosa. Esse tipo de procedimento de preparação psicológica foi realizado, com sucesso, em um hospital do Distrito Federal, tendo sido observados reduão geral de comportamentos de estresse da criança, como gritar, chorar e choramingar, entre outros e aumento de comportamentos de adesão e colaboração com a punão venosa. Maiores informaões sobre estes procedimentos podem ser obtidas consultando-se Costa Jr. (1999).

Apesar de todas essas informaões, para que a Psicologia possa auxiliar a criança em tratamento de câncer, é importante que os hospitais e as equipes de saúde considerem algumas providências imediatas: a) necessidade de substituião de modelos médico-organicistas tradicionais por abordagens que priorizem a atenão global ao paciente e seus familiares, utilizando-se equipes interdisciplinares de saúde; b) reconhecimento da relevância da adesão do paciente, ao tratamento prescrito, como fator que contribui para um bom prognóstico clínico; c) reconhecimento de que a causa e o tratamento do câncer estão associados a fatores de natureza psicossocial, indicando a necessidade do desenvolvimento de estratégias eficientes que possam humanizar o tratamento e assegurar a participação ativa do paciente nas diversas fases do tratamento.

Uma intervenão profissional eficiente em psico-oncologia pediátrica requer, além de profissionais treinados e habilitados para a área, a compreensão mais precisa da inter-relação entre diversos fatores: a) desenvolvimentais, incluindo o repertório de comportamentos da criança em diferentes contextos; b) ambiente sociocultural de origem do paciente, incluindo seus vínculos de suporte social; c) capacidade de enfrentamento de situaões estressantes e; d) nível de coesão e facilidade de comunicação entre os membros da família. A compreensão mais precisa da influência destes fatores pode ajudar a delimitar, inclusive metodologicamente, a intervenão profissional dentro do campo da oncologia pediátrica.

As intervenões profissionais em psico-oncologia pediátrica devem garantir um planejamento ambiental orientado ao desenvolvimento da criança. Apenas a definião de variáveis psicossociais, isoladamente, não é suficiente para o cumprimento dos objetivos desta área, sendo necessária a compreensão mais precisa das relaões funcionais estabelecidas entre o paciente (com câncer) e o ambiente em que são dispensados os cuidados com o tratamento (hospitalar, ambulatorial, doméstico, ou outro).

 

 

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